Nascido em Aveiro em 1993, Mário André é um dos principais triatletas amadores portugueses. Conquistou inúmeras provas e pódios em todo tipo de distâncias, tanto em escalões como em (amadores) absolutos. O ponto alto da sua carreira desportiva, pelo menos até o momento, chegou no ano passado com a vitória no AG 30-34 do Ironman Vitoria-Gasteiz, conquistando o segundo lugar entre todos os triatletas amadores, com um tempo de 8h33′. Vive e respira este desporto, conciliando os treinos com a profissão de treinador de triatlo.


Mario André entrando na meta do Ironman Vitoria-Gasteiz 2024, após 8h33′ de prova

És português e moras em Portugal, mas passaste muitos anos no Brasil. Como foi esse período da tua vida?

Fui para lá com a minha mãe aos 15 anos e, remetendo um bocadinho ao início do meu percurso desportivo, eu morava na cidade de João Pessoa, no estado da Paraíba, perto da praia, onde havia muita atividade desportiva. Por isso, acabei por comprar umas sapatilhas e comecei a correr sozinho. Entretanto, tive contacto com um clube — uma assessoria desportiva, como se chama lá — que me chamou para correr por eles e para me ajudarem no planeamento do treino.

No total, foram oito anos vividos no Brasil, porque voltei aos 23 anos. Foi sempre um período de adaptação. Eu tinha sempre lá o meu trabalho no restaurante com a minha mãe e os estudos do secundário, mas há sempre coisas novas no país que não conhecemos, principalmente porque foi mudando a atividade desportiva… Da corrida passei para o BTT (mountain bike) e só nos últimos quatro anos é que conheci o triatlo. Realmente, foi um país que me possibilitou conhecer o desporto.

Foi aí que começaste no triatlo. O que te lembras desses inícios no triatlo?

Tive um grupo que estava a treinar para o primeiro Ironman em pouco mais de nove meses… e todos eles quase tão inexperientes como eu. Fizeram a primeira prova deles juntamente com a minha primeira prova.

Nos começos, digamos que não houve muito tempo de adaptação porque eu simplesmente tive cerca de três meses para preparar o meu primeiro triatlo olímpico, na cidade, que era Campeonato Nacional. Eu disse: “Bem, porque não? Vamos participar…” Então, digamos que foi tudo muito às escuras. Claro que eu já treinava, já tinha uma boa base de corrida e uma boa base de ciclismo, mas muito pouco ou nada de natação. Então foram três meses intensivos, praticamente sempre a treinar, fundamentalmente em águas abertas, porque lá também temos essa possibilidade de ir sempre para o mar.

Então decidiste que querias continuar no triatlo…

O triatlo é um desporto multifatorial, do ponto de vista de não ter que fazer sempre a mesma coisa. Para mim, e para a minha cabeça, encaixou melhor no meu perfil, já que eu não consigo estar sempre a fazer a mesma coisa.

Então aquilo tornou-se muito mais atrativo e nada enfadonho, porque todos os dias estava a fazer um desporto diferente. O facto de poder migrar de um desporto para o outro dentro do próprio treino foi o que mais me fascinou. Não eram muitas horas de treino… eram cerca de oito a dez horas por semana.

Também tive que vender a bicicleta de BTT e procurar quais eram as alternativas e as necessidades em termos de material. Foi tudo muito “turma aqui em cima”, com novo objetivo em pouco tempo, e para acelerar o processo de forma a concluir da melhor forma possível.

Mario André em uma competição de triatlo no Brasil

Corrida, BTT, triatlo… Há mais algum desporto que te chame a atenção ou que gostarias de experimentar em algum momento da tua vida?

Não. Ou seja, nenhum desporto que não tenha dentro das três modalidades que incluem o triatlo. Claro que há outros desportos que me chamam a atenção, mas pensar neles de forma a executar e avançar não penso.

Não me vejo a fazer mais nada agora. Gostava muito de inovar no futuro para uma das vertentes do triatlo ou algumas provas de longa e extrema distância. Nomeadamente, não tanto os trails, mas talvez um bocadinho voltado para o ciclismo de ultra distância ou mesmo algumas corridas de ultra distância.

Também gostava de fazer um ultra triatlo, sem ser demasiado enfadonho. Por exemplo, no Brasil há um que a distância de bicicleta é pouco mais do que, sei lá, 5-6 km por volta. Então a pessoa dá ali 300 voltas no circuito… Pronto, ainda tenho que explorar, mas também não é que seja para agora. Daqui a uns dez anos talvez.

Regressaste a Portugal, e isso não te impediu de continuar a dedicar-te ao desporto. Quais são as diferenças entre praticar triatlo no Brasil e em Portugal?

No Brasil há uma comunidade desportiva muito grande. As cidades respiram o desporto de forma diferente do que na Europa. Há uma união maior entre clubes e uma transparência maior entre praticantes. A pessoa está na beira da praia e existem dez clubes a praticar o mesmo desporto. É quase como se fosse impulsivo, sente-se que se é obrigado a praticar desporto. Nós, em Portugal, estamos sempre muito fechados dentro de estruturas e passamos pouca mensagem para fora.

As principais diferenças têm muito a ver com a facilidade de conseguir fazer qualquer tipo de treino em qualquer altura do ano, embora a programação inclua treinos indoor para limitar a exposição ao calor. Mas há também contratempos com a deslocação, pelo facto de algumas cidades serem muito grandes. E depois os fatores de perigo em treinar sozinho — por causa de roubos, etc. — e algum receio devido ao trânsito, porque há muitos acidentes.

E em termos de competição? Há similitudes?

Há muito poucas provas e o acesso é extremamente difícil. É preciso deslocações de vários dias para se poder participar numa competição de um campeonato nacional. Lembro-me, por exemplo, que por ser mais barato, acabei por comprar um voo que fazia três escalas no Brasil. Tive literalmente 26 horas de viagem para poder competir dois dias depois. Saí do nordeste brasileiro, fui para o Rio de Janeiro, e do Rio tive que ir para o centro-oeste, para depois ir ao norte do Brasil e apanhar mais três horas de autocarro.

Nem toda a gente tem acesso à parte competitiva. Diria mesmo que 50% dos atletas no Brasil escolhem apenas uma prova por ano. O resto é treino e viver o desporto, simplesmente.

Sprint Quiz a Mario André Bastos Rocha

8 horas, 33 minutos e 36 segundos. O que te dizem estes números?

Bem, é acima de tudo algo com que eu sempre sonhei, mas nunca esperei que pudesse alcançar… Se calhar há 6-7 anos era algo que eu buscava muito avidamente, porque passei por um período em que queria tornar-me profissional e treinava efetivamente para isso.

No entanto, tive uma breve pausa de cerca de dois anos aqui no meio dos doze que levo de triatlo; surgiu uma oportunidade de trabalho como gerente de uma loja desportiva cá em Aveiro, e naquela altura não tinha muitas horas para treinar. Quando voltei, já era diferente, já não tinha esses objetivos. Passava por fazer o melhor possível e viver o desporto. Só que a raiz da parte competitiva está sempre dentro de mim, e sempre que há um recomeço de um treino mais específico, essa parte acorda. A verdade é que alcançar as 8h30 num Ironman (Vitoria-Gasteiz 2024) foi, naquele momento, algo que eu considerei o topo da minha carreira.

Esse resultado levou-me a estar alguns meses desconectado, a repensar o que queria fazer e quais seriam os objetivos futuros. E acredito que, ao alcançar isso, passei a pensar que poderia conseguir ainda melhor. Pronto, vamos ver este ano.

Aos 31 anos, ainda deve haver espaço para melhorar. Onde achas que estão os teus limites?

A verdade é que, para alcançar 8h a 8h20 num Ironman, era preciso equacionar outro estilo de vida com mais descanso. Principalmente repouso mental e tranquilidade que me permitissem não andar sempre a contar segundos.

Ou seja, para mim muitos dos treinos passam por estar no computador a trabalhar e, cinco minutos depois, estar a treinar, ou levar o meu filho à escola às 9h e programar que às 9h15 tenho que estar em cima da bicicleta. Tampouco tenho margem para relaxar após os treinos, manter a cabeça fria e retomar ao trabalho. Não. É chegar, tomar um banho e voltar ao computador ou ir dar treinos novamente.

Diria que o principal fator não é a quantidade de horas que dedico ao desporto, mas sim a quantidade de horas de qualidade que consigo dar ao desporto — e ao descanso.

A evolução dos tempos de profissionais e amadores tem sido incrível nos últimos anos, especialmente nestas faixas etárias mais jovens. Quais consideras que são as razões por detrás dessa progressão?

Uma das principais razões tem a ver com o facto de muitos atletas de outros desportos migrarem para o triatlo, por ser mais dinâmico. Também a troca de informações — o saber como treinar. Diferente do passado, atualmente o atleta tem um plano de treino pensado nas estratégias do triatlo, para tentar perceber as dinâmicas, como um treino influencia o outro, etc. Sendo um desporto de endurance e estando na moda, acredito que essa seja a grande evolução.

Mas, acima de tudo, o que mais acredito é na questão da nutrição, principalmente a nível profissional. Atribuo a grande quebra de recordes, não só no triatlo mas nos desportos de endurance, ao controlo nutricional — antes da prova, durante o treino, etc. Sei que isso mudou completamente nos últimos cinco anos, especialmente na forma de recuperar melhor para os treinos seguintes.

Competes ao mais alto nível amador em Portugal, terminando sempre nos lugares cimeiros. Isto permite-te conhecer bem os teus rivais diretos. Há algum que destaques? Seja pela qualidade, dedicação, nível pessoal, etc.

Há bastantes triatletas com quem tenho algum tipo de ligação, mas acredito que, neste momento, o Henrique Moreira, do Clube dos Galitos — o clube de triatlo onde sou treinador — acaba por ser o atleta em maior destaque no âmbito amador.

Desde que iniciei o percurso desportivo em Portugal, sempre me chamou muita atenção o Sérgio Marques, que embora ter passado por uma fase profissional, continua a competir a nível amador. Apesar de, nos últimos dois anos, sentir que já não está ao mesmo nível, mantém um nível bastante elevado.

Entre os teus objetivos mais imediatos estão o Campeonato do Mundo de Longa Distância em Pontevedra e o Ironman Emilia-Romagna. Quais são as tuas expectativas?

Não podia ser diferente — se vou a um Campeonato do Mundo, é para ser campeão no meu age group. As expectativas estão bastante altas, tendo em conta o que sinto e o que treinei no ano passado para o Ironman. Em termos de treino, há fatores que me levam a acreditar que estou numa fase física melhor do que estava para o Ironman de Vitoria. Mas são perfis diferentes, provas diferentes, locais diferentes — e tudo isso pesa muito.

O Campeonato do Mundo é o principal objetivo da época, embora a marca Ironman traga o seu peso em termos de exposição mediática. Mesmo que não consiga uma boa marca no Campeonato do Mundo ou o resultado que ambiciono, tenho uma segunda oportunidade. Se conseguir o Campeonato do Mundo, provavelmente tiro algum peso de cima no que toca ao Ironman. Digamos que já não teria que provar nada a ninguém — nunca tenho, mas sinto que tenho de provar a mim mesmo que este ano consegui um bom resultado.

Um dos aspetos interessantes sobre a tua preparação é que nunca fazes qualquer exercício físico, absolutamente nada. O que nos podes dizer sobre isso?

Eu tenho um recorde muito estúpido, porque, quando iniciei no triatlo, também andava no ginásio. Uma das coisas que eu fazia muito era a prancha frontal fixa. Havia uma senhora de cinquenta anos que começou a disputar comigo. Então eu consegui quatro minutos, ela conseguiu seis, depois eu consegui sete, ela conseguiu oito… Quando ela conseguiu oito, eu disse: “É tudo ou nada”. Preparei-me durante um mês. Fazia sempre dez ou quinze minutos, até que depois disso pensei: “Está na altura de fazer.” Meti os fones de ouvido, música, e fiquei 40 minutos parado a olhar para um cronómetro no chão…

Outra coisa que eu fazia muito nessa altura era alongamentos e mobilidade. Tinha a alcunha de “homem elástico” ou “homem borracha” porque, como os ginastas, conseguia abrir facilmente as pernas e fazer o spagat.

Tudo isto para dizer que acho que, se o reforço muscular não for feito de forma natural, muitas vezes acaba por magoar mais do que ajudar. Um músculo sem um alongamento adequado é um músculo que não tira o verdadeiro potencial do reforço muscular. Eu nunca fiz, também nunca me lesionei (exceto por causa de sapatilhas inadequadas para corrida), mas não é algo que aconselhe para a maioria das pessoas, já que é necessário desenvolver outros grupos musculares para assegurar os movimentos específicos do desporto de forma correta.

Mario André no meio da proeza dos 40 minutos de prancha frontal fixa

A nível profissional, tens o teu próprio negócio como treinador de triatlo. Parece claro que é a tua paixão e a tua intenção é dedicar-te a ela durante muito tempo. É isso mesmo?

Sim. É um projeto recente em termos de execução, mas antigo em termos mentais. Ou seja, em tudo o que sempre fiz desportivamente, havia uma paixão muito nítida em passar a mensagem, em transmitir essa paixão. Eu não sabia como — se devia ser treinador, se devia ser outra coisa qualquer, ou simplesmente fazer parte de um clube.

Mas o despertar do triatlo e dos desportos de endurance de forma global permitiu-me perceber que havia uma janela de oportunidade neste âmbito e levou-me a decidir que esse era o meu caminho para o futuro. Não sei se será exatamente sempre assim, mas provavelmente sim.

Por outro lado, também tens um treinador, com a sua própria filosofia de treino. Como é que equilibras o teu conhecimento com o de um colega?

Para os meus atletas, olho muito para números e dados. Para mim, não sou um atleta que correlaciona semana após semana os números. Correlaciono sensações e o meu estado mental. Acho que essa é a principal chave.

O que quero dizer com isto é que não debato com o treinador o tipo de trabalho que está a ser feito. Simplesmente certifico-me de que há evolução e boas sensações semana após semana. Sei qual é o volume que tenho de adicionar e, para mim, na dúvida, o volume de treino é o rei. Ou seja, independentemente de as zonas estarem corretas ou de estar a ser dado ênfase a uma determinada zona de treino, se o volume e as sensações estão alinhados com os meus objetivos, sigo firme. Acredito no processo e acredito que funcionaria com ele assim como funcionaria com outro treinador qualquer.

Como resultado do teu trabalho, tens a oportunidade de viver o dia a dia dos atletas em primeira mão. Que erros vês com mais frequência?

O principal erro está no imediatismo — tentar alcançar determinados parâmetros muito rapidamente ou querer replicar no triatlo os ritmos e números dos desportos individuais.

Diria que, para atingir determinados resultados e uma performance constante, são precisos um a dois anos de treino, no mínimo — e já com um passado desportivo. Querer saltar estas etapas é, para mim, um dos principais erros. As variáveis nas provas são tantas e tão diferentes que querer replicar sempre a melhor performance não é possível.

Depois, outro erro é não conseguir correlacionar a quantidade necessária de horas de treino com os hábitos de vida — sono, alimentação, trabalho, rotina. Acabam por procurar no material ou em pequenos atalhos a melhoria do desempenho. Nem considero que sejam propriamente erros — é mais falta de clareza e perceção sobre o que é o verdadeiro alcance desportivo.

Mario André treinando as crianças da escola de triatlo do Clube dos Galitos (Aveiro)

Tens alguma anedota interessante deles para partilhar?

Não era alguém muito ligado a mim, mas conheci um atleta que queria muito terminar o Ironman Brasil. Esse era o seu principal objetivo: trazer uma medalha.

A parte da bicicleta correu mal. Ele teve, digamos, um apagão geral… O hotel ficava no percurso da prova, ele foi até lá, entrou ainda vestido de Ironman, tomou um banho, comeu, dormiu 30 minutos… e depois voltou à prova e terminou em 15 horas. Está tudo certo. Queria fazer 10 horas, mas o objetivo era terminar. Dormiu, comeu, voltou.

Outro atleta fez algo semelhante no ano passado, em Sines. Vomitou, foi à ambulância, os médicos avaliaram e estava tudo bem. Mas a ambulância levou-o mais à frente no percurso, e ele, para não prejudicar ninguém, além de sair atrasado, ainda fez um percurso maior para compensar o que a ambulância tinha adiantado. E terminou.

Dizem que ensinar é aprender. O que te ensinam os teus atletas?

Depende muito dos atletas, mas muitos deles ensinam-me a dar mais — ao perceber, através deles, a dificuldade que é conciliar um trabalho exigente com a resiliência de continuar a treinar muitas horas.

Tentam alcançar resultados e mantêm o treino, independentemente do estilo de vida, tipo de trabalho, ou logística familiar. Cada um, à sua maneira, consegue fazer um desporto tão difícil como este, que exige conjugar tanta coisa.

É isso que tiro do triatlo — e dos meus atletas.

HALF DISTANCE (113k – 70.3 miles)